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João Barros

Notas musicais para um feriado




Nico - Rob Verhorst/Redferns: 1984


I. Crianças perdidas


A versão de Nico para The fairest of the seasons me parte ao meio. Presente no grande, grande álbum – e maravilhoso até em seus deslizes –, Chelsea Girl; a canção é um hino das esperanças impossíveis, dos desejos dos indecisos, daqueles que caminham muito, muito devagar, quando já não há mais tempo; dos que, por insegurança, carregam a certeza de que não irão conseguir.


Mas The fairest é também a canção da morte ou de uma pequena, estóica e discreta vitória sobre nossa própria vulnerabilidade. Composição de Jackson Browne – também autor de These Days, aquele sopro lindo e gelado – aquele soco desolador a respeito de uma vida que se desmancha, que se enclausura – que casa de modo brilhante com a voz de Nico, poderosa como um trovão divino; e triste, como devem ser as vozes de todas as crianças perdidas. A tristeza engasgada que engole e que sufoca o choro.


Só de olharmos para os bravos e perdidos olhos de Nico conseguimos ligar sua alma à alma da canção de Jackson Browne. Nico, sozinha, era todo um movimento de vanguarda europeu. Marcada pela guerra, pela voz expressionista que selou o círculo denso do Velvet Underground, pela beleza incomensurável; Nico era o impossível.


Nico era o impossível e, certa feita, me fez chorar durante toda uma viagem de ônibus enquanto ouvia, repetidamente, a mais justa das estações. Em algum lugar paralelo, sei que todos estamos chorando.


2. E talvez nada seja mesmo


A melhor canção de uma obra impecável. Getz em seu momento mais inspirado do disco, alternando sutileza e violência numa dança bêbada e impressionante. Tom carregando, como quem prepara um café de manhã, uma valsinha pra lá de bonita. Milton Banana sempre discreto e sempre elegante. E João exalando a genialidade própria do maior artista de sua geração. Depois de ouvir O Grande Amor, como, por Deus, não ficar com uma vontade de morrer? É que ficamos sentindo que nada pode ser mais bonito. E talvez nada seja mesmo.


3. Por que todo mundo parece tão estranho?


Strange, do Galaxie 500, é a música que – junto com as grandes canções de Morrissey e Johnny Marr; e de Morrissey em seus caminhos solos – a mim melhor expressa o sentimento de inadequação e angústia de um indivíduo frente às relações humanas. Além deste, o maior mérito do trio de Cambridge residiu na capacidade de unir o frescor do rock alternativo americano a um rebuscado senso imagético que atravessa tudo que Dean Wareham, Damon Krukowski e Naomi Yang ousaram tocar.


4. O alarme que silencia e que permanece


Bloc Party foi uma promessa de brilho indie que nunca passou muito disso, uma promessa, como tantos outros conjuntos do movimento revivalista do pós-punk nos anos 2000. E tudo bem. Pelo menos eles realmente fizeram UM ótimo disco. Isso já é grande coisa, sim. A maioria de nós passa pela vida como um lampejo. It's so cold in our houses. E ouvir o Silent Alarm depois de quase vinte anos de seu lançamento é uma experiência interessante. Os riffs que continuam certeiros. Toda a vontade de potência do Kele Okereke continua vazando em letras provocativas, em raiva, dor sublimada e desleixo fingido. Like eating glass. Like drinking poison. Um ótimo disco. Uma memória de desejo e aniquilação.



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